terça-feira, 9 de março de 2021

Keane - Somewhere Only We Know (Official Video)

António Pinho Vargas - Tom Waits - piano

 Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer sabermos o que essa coisa é. E este hábito de reprimirmos constantemente as nossas pulsões naturais é o que faz de nós seres tão refinados. Porque é que não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Porque é que não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer.


Sigmund Freud, in 'As Palavras de Freud'

segunda-feira, 1 de março de 2021

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Caballo Viejo - Gustavo Dudamel (com encore)

 Quanto mais aprendemos sobre o mundo, quanto mais profundo o nosso conhecimento, mais específico, consistente e articulado será o nosso conhecimento do que ignoramos - o conhecimento da nossa ignorância. Essa, com efeito, é a principal fonte da nossa ignorância: o facto de que o nosso conhecimento só pode ser finito, mas a nossa ignorância deve necessariamente ser infinita. (...) Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos, somos todos iguais no infinito da nossa ignorância.


Karl Popper, in 'As Origens do Conhecimento e da Ignorância'


 


 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Bruce Springsteen - You Never Can Tell (Leipzig 7/7/13) (Official Video)

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. É neste sentido que o professor autoritário, que por isso mesmo afoga a liberdade do educando, amesquinhando o seu direito de estar sendo curioso e inquieto, tanto quanto o professor licencioso rompe com a radicalidade do ser humano – a de sua inconclusão assumida em que se enraíza a eticidade...

O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne machista, racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana. Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber.

Paulo Freire in "Pedagogia da Autonomia"

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 Acho que, na maioria dos casos, quando uma pessoa se ri torna-se nojento olharmos para ela. Manifesta-se no riso das pessoas, na maioria das vezes, qualquer coisa de grosseiro que humilha a quem ri, embora essa pessoa quase nunca saiba que efeito o seu riso provoca. Tal como não sabe (ninguém sabe, aliás) a cara que faz quando dorme. Há quem mantenha no sono uma cara inteligente, mas outros há que, embora inteligentes, fazem uma cara tão estúpida a dormir que se torna ridícula.

Não sei por que tal acontece, apenas quero salientar que a pessoa que ri, tal como a pessoa que dorme, não sabe a cara que faz. De uma maneira geral, há muitíssimas pessoas que não sabem rir. Aliás, isso não é coisa que se aprenda: é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso. A não ser que nos reeduquemos interiormente, que nos desenvolvamos para melhor e que superemos os maus instintos do nosso carácter: então também o riso poderá possivelmente mudar para melhor. A pessoa manifesta no riso aquilo que é, é possível conhecermos num instante todos os seus segredos.
Mesmo o riso incontestavelmente inteligente é, às vezes, abominável. O riso exige em primeiro lugar sinceridade, mas onde está a sinceridade das pessoas? O riso exige a ausência de maldade, mas as pessoas, na maioria dos casos, riem com maldade. Um riso sincero e sem maldade é uma pura alegria, mas, nos tempos que correm, onde está a alegria? E poderão as pessoas ser alegres?
A alegria é um dos mais reveladores traços humanos, basta a alegria para revelar as pessoas dos pés à cabeça. Por vezes não há meio de percebermos o carácter de uma pessoa, mas basta ela rir para lhe conhecermos o feitio como às palmas das nossas mãos. Só as pessoas desenvolvidas do modo mais elevado e feliz sabem ser contagiosamente alegres, de uma maneira irresistível e benévola. Não falo de desenvolvimento intelectual, mas de carácter, do homem como um todo. Portanto: se quiserdes compreender uma pessoa e conhecer-lhe a alma não presteis atenção à sua maneira de se calar, ou de falar, ou de chorar, ou de se emocionar com as ideias mais nobres, olhai antes para ela quando se ri. Ri-se bem - é boa pessoa.
Observai depois todos os matizes: por exemplo, é preciso que o riso não pareça estúpido, por mais alegre e ingénuo que seja. Mal detecteis a mais pequena nota de estupidez num riso, ficai sabendo que a pessoa que assim ri é intelectualmente limitada, apesar de deitar cá para fora um sem-fim de ideias. Mesmo que o riso não seja estúpido, se vos parecer ridículo, nem que seja um pouquinho, ficai sabendo que não há na pessoa que o ri uma verdadeira dignidade, pelo menos uma dignidade suficiente. Por último, notai que, mesmo que um riso seja contagioso mas por qualquer razão vos pareça vulgar, também a natureza dessa pessoa é vulgar, que toda a nobreza e espírito sublime que tínheis visto nela ou são fingidos ou imitados inconscientemente, e que essa pessoa, no futuro, mudará inevitavelmente para pior, dedicar-se-á ao «útil», abandonando sem pena as ideias nobres como sendo erros e paixões da juventude.
(...) Apenas entendo que o riso é a mais certeira prova da alma. Olhai para uma criança: só as crianças sabem rir com perfeição, por isso são fascinantes. É abominável a criança que chora, mas a que ri alegremente é um raio do paraíso, é o futuro do homem quando ele, finalmente, se tornar tão puro e ingénuo como uma criança.
Fiodor Dostoievski, in 'O Adolescente'

Karl Jenkins - Benedictus

terça-feira, 22 de março de 2011

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A nossa opinião (teoria), e a verdade (leis ou paradigmas) por António da Costa Oliveira.


Temos de nos entender. Estou farto de ouvir dizer; escusas de me tentar dizer o contrário porque eu vou ficar na minha. Não há nada que esteja mais em voga do que a opinião de cada um sobre seja o que seja..
Em termos científificos há, por exemplo as teorias do desenvolvimento da espécie humana. Há pequenos factos que vão surgindo para sustentar essas teorias, mas elas ainda não se tornaram leis universais científicas, porque carecem de muitos mais factos e muito mais informação. Isto são teorias.
Por outro lado, há leis científicas comprovadas. Obedecem a métodos rigorosos de análise e tratamento de dados e informação. São verdades ou os chamados paradigmas.
Nada disto é imutável ou inalterável.
Eu só gostava que tentassem perceber a diferença e não achassem que a vossa opinião pode valer nos dois casos.
Uma teoria será sempre uma teoria, capaz de suscitar opiniões diversas. Uma lei científica ou  paradigma, permanece inalterável e não se modifica segundo a nossa vontade, mas quando surja outra que a anule.
   
Comecem a seleccionar os temas em que podem ter opinião porque é feio parecer-se ridículo...
António da Costa Oliveira
18-02-2011 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A Virtude Pura não Existe nos Dias de Hoje

Numa época tão doente como esta, quem se ufana de aplicar ao serviço da sociedade uma virtude genuína e pura, ou não sabe o que ela é, já que as opiniões se corrompem com os costumes (de facto, ouvi-os retratarem-na, ouvi a maior parte glorificar-se do seu comportamento e formular as suas regras: em vez de retratarem a virtude, retratam a pura injustiça e o vício, e apresentam-na assim falsificada para educação dos príncipes), ou, se o sabe, ufana-se erradamente e, diga o que disser, faz mil coisas que a sua consciência reprova. 

(...) Em tal aperto, a mais honrosa marca de bondade consiste em reconhecer o erro próprio e o alheio, empregar todas as forças a resistir e a obstar à inclinação para o mal, seguir contra a corrente dessa tendência, esperar e desejar que as coisas melhorem. 
Michel de Montaigne, in 'Ensaios - Da Vaidade'

Ruggero Raimondi - Te Deum dalla Tosca di Puccini (Finale atto I) - Aren...

Exodus Soundtrack - Ernest Gold

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Barrow-on-Furness



I

Sou vil, sou reles, como toda a gente
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.

É com a imaginação que eu amo o bem.
Meu baixo ser porém não mo consente.
Passo, fantasma do meu ser presente,
Ébrio, por intervalos, de um Além.

Como todos não creio no que creio.
Talvez possa morrer por esse ideal.
Mas, enquanto não morro, falo e leio.

Justificar-me? Sou quem todos são...
Modificar-me? Para meu igual?...
— Acaba já com isso, ó coração!

II

Deuses, forças, almas de ciência ou fé,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.

Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Água do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer...

Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciência de dedos de quem pensa
Em outras cousa te põe separado?

Deixa de ser novelo o que nos fica...
A que brincar? Ao amor?, à indif'rença?
Por mim, só me levanto da barrica.

III

Corre, raio de rio, e leva ao mar
A minha indiferença subjetiva!
Qual "leva ao mar"! Tua presença esquiva
Que tem comigo e com o meu pensar?

Lesma de sorte! Vivo a cavalgar
A sombra de um jumento. A vida viva
Vive a dar nomes ao que não se ativa,
Morre a pôr etiquetas ao grande ar...

Escancarado Furness, mais três dias
Te aturarei, pobre engenheiro preso
A sucessibilíssimas vistorias...

Depois, ir-me-ei embora, eu e o desprezo
(E tu irás do mesmo modo que ias),
Qualquer, na gare, de cigarro aceso...

IV

Conclusão a sucata!... Fiz o cálculo,
Saiu-me certo, fui elogiado...
Meu coração é um enorme estrado
Onde se expõe um pequeno animálculo...

A, microscópio de desilusões
Findei, prolixo nas minúcias fúteis...
Minhas conclusões práticas, inúteis...
Minhas conclusões teóricas, confusões...

Que teorias há para quem sente
O cérebro quebrar-se, como um dente
Dum pente de mendigo que emigrou?

Fecho o caderno dos apontamentos
E faço riscos moles e cinzentos
Nas costas do envelope do que sou...

V

Há quanto tempo, Portugal, há quanto
Vivemos separados! Ah, mas a alma,
Esta alma incerta, nunca forte ou calma,
Não se distrai de ti, nem bem nem tanto.

Sonho, histérico oculto, um vão recanto...
O rio Furness, que é o que aqui banha,
Só ironicamente me acompanha,
Que estou parado e ele correndo tanto...

Tanto? Sim, tanto relativamente...
Arre, acabemos com as distinções,
As subtilezas, o interstício, o entre,
A metafísica das sensações —

Acabemos com isto e tudo mais...
Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Ray Charles - You don't know me (live)

Jerry Goldsmith - Looney Tunes - Back In Action - Suite #1

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Andrea Dieci (guitar) plays Capricho Catalan by Albeniz

Erie Saxophone Quartet - Philip Glass Concerto for Saxophone Quartet I.

Algo que, realmente, surpreende

Gostar de música está na moda. Gostar de boa música ainda mais. Há um medo muito grande de se gostar de música que não tenha qualidade. Pode parecer mal e não ficar nada bem. É assustador poder pensar que se pode gostar de uma canção do Tony Carreira ou do Quim Barreiros e do Emanuel nem pensar. É pimba. Temos de ter muito cuidado com a música pimba.
Afinal, que fenómeno é este da música pimba? Muita gente já tentou estabelecer a fronteira entre a música pimba e a outra. E a outra qual é? Só porque se canta noutra língua já não é pimba? Quanto menos percebem de música mais selectivos tentam ser os pseudo-entendedores deste fenómeno musical. Baralham-se, baralham os outros, misturam tudo e fazem uma confusão tremenda. Quem não se preocupa com isto, convive de uma forma sã e espontânea com a música e tira disso muito proveito.
Há algum tempo que todo o tipo de música passou a ser designado de Música do Mundo - seja ela pimba, fado, clássica, ópera, barroca, samba, jazz, blues, etc. Perdeu os apelidos tradicionais. Vão-se habituando a isto e passem palavra.
Poderia tentar traçar a tal fronteira entre a música popular e a música pimba, mas, sinceramente, não acredito que ela exista.
Há, realmente, música de péssima qualidade, mas essa até as crianças conseguem identificar.

António da Costa oliveira 17-10-201

domingo, 10 de outubro de 2010

Raaf Hekkema Saxophone Paganini Caprice No 24

Bom humor

O «Ensina-me»

Quando era novo, mandei fazer numa tábua 
A canivete e nanquim a figura dum velho 
A coçar-se no peito por causa da sarna 
Mas de olhar implorativo porque esperava que o ensinassem. 
Uma segunda tábua pra o outro canto do quarto, 
Que devia representar um moço a ensiná-lo, 
Nunca mais foi feita. 

Quando era novo tinha a esperança 
De encontrar um velho que se deixasse ensinar. 
Quando for velho, espero 
Que se encontre um moço e eu 
Me deixe ensinar. 

Bertold Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas' 
Tradução de Paulo Quintela

O Grande Educador


É além de tudo essencial que a escola se não separe do mundo; não há escolas e oficinas; há um certo género de oficinas em que trabalham crianças nas tarefas que lhes são adequadas e lhes vão facilitando o desenvolvimento do corpo e do espírito; vão colaborando no que podem e no que sabem para que a vida melhore. Ninguém fugirá da escola e a olhará como um horror no dia em que a deixemos de conceber como o lugar a que se vai para receber uma lição, para a considerarmos como o ponto de condições óptimas para que uma criança efectivamente dê a sua ajuda a todos os que estão procurando libertar a condição humana do que nela há de primitivo; não se veja no aluno o ser inferior e não preparado a que se põe tutor e forte adubo; isso é o diálogo entre o jardineiro e o feijão; outra ideia havemos de fazer das possibilidades do homem e do arranjo da vida; que a criança se não deixe nunca de ver como elemento activo na máquina do mundo e de reconhecer que a comunidade está aproveitando o seu trabalho; de número na classe e de fixador de noções temos de a passar a cidadão. 
O grande educador não pensa na escola pela escola, como o grande artista não aceita a arte pela arte; é incapaz de se encerrar na relativa estreiteza de uma vida de ensino; a escola, de tudo o que lhe oferecia o universo, é apenas o ponto a que dedicou maior interesse; mas é-lhe impossível furtar-se a mais larga actividade. De outro modo: trabalha com ideias gerais; não dirá que esta escola é o seu mundo, mas que esta escola é parte indispensável do seu mundo. E quererá também que toda a oficina passe a ser uma escola; que haja o trabalho proporcionado e alegre, amorosamente feito, porque se sabe necessário ao progresso, levado a cabo numa atitude de artista e de voluntário, disciplinado remador na jangada comum; que se não esmaguem as faculdades superiores do operário sob o peso e a monotonia de tarefas sem interesse e sem vida; que se faça a clara distinção entre o homem e a máquina; que, finalmente, se ajude o trabalhador a encontrar na sua ocupação, em todas as ideias que a cercam e a condicionam ou que ela própria provoca, o Bem Supremo da sua vida e da vida dos outros. 
Agostinho da Silva, in 'Considerações'

FRANK SINATRA - Love's been good to me - 1969

Washington Winds- Eiger: Journey to the Summit

Vesuvius. Frank Ticheli.

Os Convencidos da Vida



Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.

Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

domingo, 19 de setembro de 2010

Aladdin - Puerto Rico Symphonic orquestra

Naquela linda manhã

Marcha Radetzky - Concierto año nuevo 2009 (Daniel Barenboim)

Idade Subjectiva

O professor perguntou ao menino Carlinhos:

— Se ambos os teus pais tivessem nascido em 1958, que idade dizias que eles tinham?

— Dependia...

— Dependia de quê?

— De perguntarmos ao meu pai ou à minha mãe...

Não Diga o Meu Espelho que Envelheço

Não diga o meu espelho que envelheço,

se a juventude e tu têm igual data,

mas se os sulcos do tempo em ti conheço

então devo expiar no que me mata.

Tanta beleza te recobre e deu

tais galas a vestir a meu coração,

que vive no teu peito e o teu no meu.

Mais velho do que tu serei então?

Portanto, meu amor, cuida de ti

como eu, não por mim, por ti somente

te cuido o coração, que guardo aqui

como à criança a ama diligente.

Não contes com o teu se o meu morrer.

Deste-me o teu e o não vou devolver.



William Shakespeare, in "Sonetos (22)"

É por ter Espírito que me Aborreço

É preciso esconjurar, da forma que nos for possível, este diabo de vida que não sei porque é que nos foi dada e que se torna tão facilmente amarga se não opusermos ao tédio e aos aborrecimentos uma vontade de ferro. É preciso, numa palavra, agitar este corpo e este espírito que se delapidam um ao outro na estagnação e numa indolência que se confunde com um torpor. É preciso passar, necessariamente, do descanso ao trabalho - e reciprocamente: só assim estes parecerão, ao mesmo tempo, agradáveis e salutares. Um desgraçado que trabalhe sem cessar, sob o peso de tarefas inadiáveis, deve ser, sem dúvida, extremamente infeliz, mas um indivíduo que não faça mais do que divertir-se não encontrará nas suas distracções nem prazer nem tranquilidade; sente que luta contra o tédio e que este o prende pelos cabelos - como se fosse um fantasma que se colocasse sempre por detrás de cada distracção e espreitasse por cima do nosso ombro.


Não julgue, cara amiga, que eu só porque trabalho regularmente estou isento das investidas deste terrível inimigo; penso que, quando se tem uma certa disposição de espírito, é preciso termos uma imensa energia de forma a não nos deixarmos absorver e conseguir escapar, graças à nossa força de vontade, à melancolia em que caímos continuamente. O prazer que sinto, neste momento, em dialogar consigo acerca deste sentimento é mais uma prova de como eu me procuro agarrar, avidamente, sempre que tenho forças para isso, a todas as oportunidades para ocupar o espírito (ainda que seja referindo-me a este tédio, que procuro combater).


Sempre pensei que havia tempo a mais. Atribuo em grande parte este sentimento ao prazer que quase sempre encontrei no próprio trabalho: os verdadeiros ou pretensos prazeres que se lhe sucediam não contrastavam talvez muito com a fadiga que me comunicava o trabalho - fadiga que a maior parte dos homens sente duramente. Não tenho dificuldade em imaginar o prazer que deve sentir nas suas horas de repouso essa multidão de homens que vemos vergados sob trabalhos desencorajadores - e não me refiro apenas aos pobres, que têm de ganhar o seu pão quotidiano, mas também aos advogados, aos funcionários, submersos pela papelada e ocupados com encargos fastidiosos ou que não lhe dizem respeito.


No entanto, também é verdade que a maior parte desses indivíduos não têm problemas com a imaginação e vêem nas suas ocupações maquinais uma maneira como qualquer outra de ocupar o tempo. E serão tanto menos infelizes quanto mais medíocres forem. Para me consolar, termino com este último axioma: que é por ter espírito que me aborreço.


Eugène Delacroix, in 'Diário'