sexta-feira, 23 de abril de 2021

William Shakespeare


 

 Acredita-se ter encontrado um meio de tornar a vida deliciosa através da bajulação. Um homem simples que apenas diz a verdade é visto como o perturbador do prazer público. Foge-se dele porque não agrada a ninguém; foge-se da verdade que ele enuncia, porque é amarga; foge-se da sinceridade que proclama porque apenas traz frutos selvagens; tem-se receio dela porque humilha, porque revolta o orgulho que é a mais estimada das paixões, porque é um pintor fiel que nos faz ver quão disformes somos.

Não admira que seja tão rara: em toda a parte (a sinceridade) é perseguida e proscrita. Coisa maravilhosa, ela encontra a custo um refúgio no seio da amizade.

A que se deve que já não haja verdadeira amizade entre os homens? Que esse nome não seja mais do que uma armadilha que empregam com vileza para seduzir? «É, diz um poeta (Ovídio), porque já não existe sinceridade.»

Seduzidos sempre pelo mesmo erro, não fazemos amigos senão para dispormos de pessoas particularmente destinadas a comprazer-nos: a nossa estima acaba com a sua complacência; o termo da amizade é o termo dos agrados. E tais agrados que são? Que é o que nos agrada mais nos nossos amigos? São os contínuos louvores, que deles recolhemos como tributos.

Baron de Montesquieu, in 'Elogio da Sinceridade'